Polêmica laringe abaixo!


O  episódio lulista abriu a “glote” do brasileiro: agora todos viramos maniqueistas sem saber que o somos: a primeira corrente quer Lula se tratando no SUS. Decerto é a população que  precisa da saude publica, enfiada guela abaixo e sentiu na pele a tal expressão: “esse ai entrou para o sistema.” O sistema é o labirinto do Minotauro: quem entra não sai tão fácil.
Outra corrente preconiza que aqueles que querem Lula no SUS são hipocritas: estão mandando o ex-presidente fazer o que nem eles fariam se tivessem dinheiro. Odeio meio-termo, mas concordo com os dois lados.
Não creio que os primeiros estão fazendo piada tosca com a tragédia de alguém. Na verdade, se assim o fosse, teriam lançado campanha para José de Alencar também ter se tratado no Santa Casa em vez do Sírio LIbanês.  O que eu penso é que  o que o pessoal que entrou para o sistema quer é um último grito de ajuda de Lula. José de Alencar nunca teve tanto crédito com a população. O povo nunca achou que o cara iria nos salvar.Portanto, nem se dignou a fazer campanha pró-Sus para ele.  Lula ainda pode, mesmo na sua tragédia ajudar a gente. Acho que ninguém quer que Lula sinta na pele as mazelas “susianas”, mas que ele ligue para Dilma e peça, com a mão de quatro dedos em riste: “Companheira, estou convencido de que nada será digno o bastante se você não melhorar nosso sistema. Agora eu vi, Dilma. Eu senti que precisamos melhorar”. Quando o pessoal do SUS pede para o Lula entrar no sistema, não está querendo tripudiar da tragédia. Está querendo que os grandes olhem e orem por aqueles que não podem pagar o Sirio Libanês.
Da mesma forma, concordo com aqueles que dizem que é hipocrita esse tipo de campanha. É obvio que se eu tivesse cem mil reais no banco iria tratar  no “sistema único particular. Todos faríamos. Mas os intelectuais como Dimenstein deveriam compreender o que move essa aparente falta de “empatia” com a doença de Lula não é bestialidade. É desamparo. O buraco é mais embaixo. É um outro tipo de elemento cancerígeno causado por roubalheira política. É um protesto contra  a política corrupta e a falta de sensibilidade do grande escalão.
 Para não ficar em cima do muro, vou deixar minha opinião: eu quero que Lula se recupere no Sírio Libanês e depois de convalescer faça campanha para um SUS Plus. Afinal, Lula é brasileiro, e não desiste nunca. E eu acho que nem nós deveríamos desistir de berrar por nós mesmos. Afinal, câncer de laringe só é causado por tabaco e álcool. Não por protestos.

Personagem de rua


À sombra da praça
Às 15h30 da tarde a Praça da Matriz não é lugar de criança. Ocupam  brinquedos e bancos prostitutas que negociam o prazer, sujeitos que abraçam garrafas de cachaça, dependentes químicos ávidos pela nicótica, álcool e a pedra madita,  crack. A praça, em frente ao colégio, não acolhe qualquer estudante. Não há um fio de vida jovem saudável nela. Defronte está o setor de inteligência da Brigada Militar. Policiamento ostensivo. O nome não ostenta qualquer confronto. Policiais militares cruzam o local, conduzindo-se altaneiros fora da praça, nem com o “rabo” do olho notam os personagens locais. Disfarçam. Ali, Júlia Teresinha Semler (40) disfarça o tom da vida. Em latim, o nome de batismo indica alguém cheio de energia. Não é assim com Julia, a “Neca” da Praça da Matriz.  Há algum tempo, deixou de morar na rua. O marido e a irmã lhe resgataram dos becos e do coreto da praça para abrigá-la em uma casa no Bairro Hidráulica. Foi, mas não cessou de fumar a pedra da ilusão. O crack a atormenta há quatro anos. “Eu penso o que está havendo com minha vida. Eu não tenho forças, não consigo ir para frente”. Neca chora.  Conhecidos que avistam a cena do outro lado da praça, gritam: “Não te abala, Neca.” Mas Neca, pensando ser sarcasmo, porque na vida de rua nada é de verdade, rebate sem pensar:  “Vai, meu”. O verde, a sombra das árvores, a imagem de certa forma limpa e aprazível da natureza lhe da esperança. É ali que espera por uma internação. “Estou para me internar, estou esperando vaga na fazenda”.  Quando Neca fala, uma janela se abre nos lábios. Pelo menos quatro dentes sumiram do dia para noite. Ela não sabe em que momento os perdeu. “No outro dia levantei, fui olhar na boca e os dentes não estacam mais. A ponte caiu porque eu estava muito drogada.” Neca não furta, pede. Neca não se mistura com os dependentes da praça ou da ciclovia. Mantém sua privacidade no anonimato da área de lazer.




Publicado em setembro no jornal O Informativo do Vale



 Há tempo não conversa com as duas filhas que estão sob os cuidados de uma instituição.  Sem dente e sem documento, reza todo o dia para deus lhe ajudar.  Neca tem medo que o crack seque seus pulmões. “Eu estou esperando (uma vaga). Uma hora eu vou morrer.” Não faz o estereótipo do viciado abusado, amoral e sujo. É desleixada, mas educada. “Aqui todo mundo me adora”. E se apega a esse fio de orgulho como se fosse a ultima autoestima de sua vida.  Na praça, ela permanece do meio-dia às 17h. Diz que se ficar em casa pensa bobagem.  Ali, pelo menos durante cinco horas, seus pensamentos não sejam tão dolorosos. Mas ela sabe que isso também é ilusão, como também o é o prazer ilusório da pedra. Percebe que precisa de mãos que lhe agarrem e se agarra em qualquer estranho que possa representar auxílio. “Se vocês conseguirem uma internação para mim…” 

Duas capangas grudentas


“Paro e me apoio na balaustrada e meus pensamentos se tornam sombrios. É então que as duas me encontram. A depressão pela esquerda, a solidão pela direita. Sequer precisam mostrar seus distintivos. Pergunto a elas?
– Como vocês me encontraram aqui?
A depressão, sempre bancando a esperta, diz:
– Como assim, você nao está feliz em nos ver?
A solidão, a mais sensível das duas, diz:
– Desculpe, mas talvez eu precise seguir a senhora durante a viagem. É minha missão.
Então elas me revistam. Esvaziam meus bolsos de qualquer alegria que eu tivesse carregado até ali. A depressão chega a confiscar minha identidade, sempre faz isso. A solidão começa a me interrogar. Pergunta se eu tenho algum motivo de estar feliz. Essas duas capangas continuam a me seguir.
– “Não é justo vocês virem aqui. Já paguei vocês”, digo.

A depressão acomoda-se na minha cadeira preferida, acende um charuto, enchendo o aposento com sua fumaça desagradável. A solidão deita-se na minha cama e se cobre com as cobertas. Estou sentindo que vai me obrigar a dormir com ela de novo esta noite.
Verbos que interagem com a depressão e a solidão

*** Trecho que me marcou talvez porque eu me identifiquei profundamente com eles. Essas duas déspotas, sempre reinaram magistralmente sobre meu Nilo vestido de eu. D&S, quem dera fossem tão estilosas quanto Dolce e Gabbana. A depressão sempre come do meu feijão e me faz  ingerir tabletes de chocolate com ela. A solidão se planta no meu quarto como uma deusa a quem eu tenho de servir. Malvadas, elas aparecem com tapete vermelho e holofotes luminosos no livro: Comer, Rezar, Amar.